quarta-feira, 5 de junho de 2013

Chegada de novatos nas moradias estudantis preocupa as universidades

Instituições de ensinos se preocupam com o que acontece nas moradias estudantis, onde os veteranos têm total controle sobre os alunos novatos

Em cidades universitárias, além da fiscalização da prática do trote nos campi, a direção das instituições de ensino têm de vigiar o que ocorre nas repúblicas. Em Lavras, no Sul de Minas, e Ouro Preto, na Região Central do estado, as medidas adotadas pelas universidade federais para combater os trotes não têm surtido total efeito, já que as casas de moradia coletiva mantêm o trote. O Estado de Minas entrou em contato com alunos de 10 dos 29 cursos oferecidos pela Universidade Federal de Lavras (Ufla). Apesar de terem negado a ocorrência do trote e ainda ressaltarem a proibição, todos admitiram que o trote migrou do campus e das ruas da cidade para as repúblicas.

A recepção aos alunos novatos na cidade é severa e inclusive obriga o calouro a mudar o seu jeito de falar. Um dos casos é o da palavra "acho", que deve ser trocada pela palavra "penso", caso contrário o estudante está sujeito a punições. Segundo relatos dos entrevistados, calouros podem ser obrigados a beber cachaça, comer cebola, ficar sem talher e tomar óleo de cozinha caso transgridam as “leis” das repúblicas. A Ufla proíbe o trote desde 2008 e prevê penalidades para quem o pratica. A transgressão é considerada falta grave, implicando em advertência, suspensão ou até mesmo desligamento da instituição. A Ufla incentiva também o trote solidário e promove campanhas de doação de sangue, como forma de integrar os alunos, além de ter criado o disque trote, para que as vítimas possam denunciar os abusos.

Na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) a história de desrespeito se repete. Os estudantes ouvidos pelo EM também informaram que os trotes ocorrem frequentemente  nas repúblicas federais e agora têm se estendido para as repúblicas particulares. De acordo com os alunos, os calouros passam por uma verdadeira maratona de humilhação. Ao chegarem, recebem uma plaquinha com apelido dado pelos veteranos. Eles devem andar com ela por todos os cantos, sujeitos a alguma punição caso a percam. Além disso, passam a assumir os afazeres da casa, como lavar louças, cuidar de animais e limpar cômodos, por exemplo. “A ralação dura até que apareça outro “bicho” do próximo vestibular. Além de ter que fazer tudo o que os outros moradores exigem, o calouro é obrigado a ingerir bebidas alcoólicas e coagido a fazer uso de substâncias químicas. Isso varia de república para república”, relata uma estudante do curso de farmácia. 

De acordo com a vice-reitora da Ufop Célia Maria Fernandes Nunes, a universidade trabalha com programas de acolhida aos estudantes para promover a integração de veteranos e calouros. Entre outras ações, tem buscado também a aproximação das famílias para criar um ambiente de cuidado com os alunos. “Nossa política é de total repúdio ao trote, que consideramos uma afronta aos princípios humanos e às garantias individuais”, afirma. No regimento interno da Ufop estão previstas penalidades aos transgressores, que podem chegar à suspensão do aluno.

Fonte: em.com.br
Por: Guilherme Paranaíba
Publicação: 02/06/2013

Humilhações dos calouros são exibidas pela internet

Vídeos disponíveis no YouTube mostram pelo menos dois trotes que ocorreram este ano na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os novatos do sexo masculino do curso de física percorreram algumas ruas do câmpus Pampulha sujos e entrelaçados, formando uma espécie de “trenzinho”, abraçados. Ao mesmo tempo eles entoavam canções em voz alta, sempre provocando alunos das engenharias. Outros que também apareceram sujos foram os calouros de comunicação social. No vídeo postado na internet os veteranos fizeram uma brincadeira com o personagem Harry Potter e os novos estudantes, colocando os alunos nas imagens do filme.


No geral, a maioria dos trotes aplicados na UFMG deixa os calouros muito sujos. O mais comum é tingir o corpo e pegar objetos dos alunos recém chegados, como os calçados. Os veteranos só devolvem tênis e sapatos por uma certa quantia, que costuma ser arrecadada nos sinais de trânsito para a compra de bebidas alcóolicas que são consumidas nos bares perto do câmpus. Apesar de os trotes tradicionais ainda serem comuns, alguns cursos desenvolvem medidas alternativas, como festas ou ações sociais para arrecadar donativos. É o caso do curso de história, que organiza uma festa para receber os futuros historiadores, e também de ciências biológicas, que faz um almoço para os calouros.

A integrante do Núcleo de Comunicação do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG, Isabella Reges, de 23 anos, informou que a entidade pretende promover um debate sobre o trote, pois os próprios alunos gostam de organizar os rituais de recepção. “O DCE é contra as práticas de coação, mas os estudantes também têm que ter liberdade. Nosso objetivo é mudar o padrão, incentivando as práticas de bom exemplo, como a arrecadação de donativos”, diz ela. Aline Roque, de 21, que é membro do Diretório Acadêmico da Escola de Engenharia, acredita que há um movimento em curso para eliminar os excessos, mas reconhece que ainda existe coação. “Acaba que muitas vezes o calouro participa para não ser excluído. Somos a favor da integração, mas totalmente contra a violência física e moral”, diz ela. Por meio de nota, a UFMG informou ser contrária ao trote e estabelece punição de advertência, suspensão ou desligamento do aluno que atentar contra a regra.

ALFENAS

Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal) a situação se repete. Um vídeo disponível na internet mostra o trote para recepção dos calouros de farmácia, em 2005, traz cenas de muita sujeira, calouros lambendo objetos com preservativos, entre outras situações constrangedoras. Longe dos olhos da universidade os trotes chegam a ser pesados, com incentivo ao consumo de bebidas alcoólicas e brincadeiras vexatórias.

Boas práticas

Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o curso de arquitetura e urbanismo não teve o trote tradicional. Segundo o aluno João Marcos Domingos Silva, de 20, a recepção teve uma aula trote, com entrevistas feitas pelos veteranos com calouros, tudo em clima de farra. “Ao longo da semana realizamos palestras e oficinas com os calouros durante o dia. À noite fazemos as festas tradicionais da arquitetura, como o Luau, a Pizzada e a Festa do Chapéu, diz ele. O diretor de Assuntos Estudantis da UFU, Leonardo Barbosa e Silva, reconhece a ocorrência do trote dentro da universidade, apesar da proibição desde os anos 1990. “Os trotes são espalhados, em momentos diferentes”, diz. Segundo ele, os vigilantes estão orientados e conter qualquer uma dessas manifestações e todos os anos as práticas de boas-vindas são debatidas com a comunidade acadêmica. “Tentamos substituir o trote por práticas culturais.”

Fonte: em.com.br

Trotes continuam acontecendo apesar de proibição das universidades

Mesmo proibida, prática resiste nas universidades federais e desafia instituições de ensino a acabar com atitudes que expõem calouros a situações constrangedoras

Dois incidentes envolvendo estudantes que participavam de trotes em universidades federais mineiras comprovam que, embora proibida, a prática persiste no ambiente acadêmico. Um deles ocorreu em março com alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e teve repercussão nacional com fotos divulgadas nas redes sociais. As imagens mostram uma estudante com o corpo pintado com tinta preta, acorrentada e puxada por um veterano. Ela ainda carregava uma placa com os dizeres “caloura Chica da Silva”, em referência à famosa escrava que viveu em Diamantina no século 18. Em outra imagem, um calouro está amarrado a uma pilastra enquanto três veteranos fazem uma saudação nazista. Há poucos dias, a situação se repetiu, dessa vez com alunos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), nos Campos das Vertentes. Vinte e três veteranos foram presos, acusados do crime de constrangimento ilegal contra calouros que foram pintados e levados às ruas para pedir dinheiro.

Estudantes da UFMG humilhados em atos impostos por veteranos no câmpus da Pampulha e na Faculdade de Direito
Os dois exemplos são uma demonstração de que os alunos veteranos resistem a acabar com o trote e continuam a expor os calouros a situações vexatórias e abusivas. A justificativa para essa resistência é que se trata de um rito de passagem do ensino médio para o superior e um momento de integração entre calouros e veteranos. E a desobediência às determinações da direção das instituições de ensino é generalizada. Levantamento feito pelo Estado de Minas em 191 dos 502 cursos superiores oferecidos por universidades públicas no estado mostra que o trote ainda persiste em 137 deles, o que representa 71% do total. Enquanto calouros e veteranos acham a prática normal e descontraída, representantes das universidades veem o trote como algo violento, vexatório e humilhante. Nesses eventos, os calouros são submetidos a situações como o corte de cabelo forçado, pintura no corpo e mendicância nas ruas, entre outras. 

Diante da desobediência dos universitários, uma pergunta: por que é tão difícil barrar o trote? Para especialistas, a manutenção da prática é uma questão cultural. É o que explica um dos membros da Diretoria Executiva da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o reitor da Universidade Federal de Alfenas Paulo Márcio de Faria e Silva. “Entendo como uma questão de cultura dos jovens que chegam e inclusive acham que têm o direito de receber o trote, sob pena de não serem acolhidos pelos alunos que já estão estudando”, diz. Por outro lado, afirma Silva, “os veteranos veem a prática como uma demonstração de poder por terem chegado antes à universidade”. 

A faixa etária dos alunos – a maioria entre 17 e 20 anos – e o consumo exagerado de bebida alcóolica estão entre os fatores que reforçam a repetição da situação, como lembrou o especialista. Segundo ele, a maior parte dos calouros está saindo da adolescência e deixando o ambiente familiar pela primeira vez. Vão morar sozinhos ou em repúblicas, como é o caso daqueles que se mudam de cidade para estudar. “São meninos que querem experimentar o sentimento de liberdade e encontram, fora de casa, um cenário que oferece as condições para que isso ocorra”, afirma o diretor da Andifes. 

Paulo Silva fala do esforço conjunto das instituições em frear o trote universitário e diz que Minas não tem situação diferente do restante do Brasil. “A questão ligada ao trote ocorre indistintamente em todo o país. Cada entidade tem autonomia para criar suas regulamentações, mas o repúdio a essas manifestações de violência física ou moral é um sentimento comum a todas”.

FORA DOS PORTÕES: Se nos campi já é difícil impedir os trotes, nas ruas das cidades onde as universidades estão instaladas é praticamente impossível. Em Alfenas, no Sul de Minas, a universidade proibiu a prática em 2008. “Mas ainda não conseguiu impedir que os calouros sejam levados às ruas com o corpo pintado e os cabelos raspados pelos veteranos. Também são colocados em fila para marchar e obrigados a pedir dinheiro no semáforo para financiar festas para os veteranos”, conta o reitor. A cidade convive com um caso trágico de trote. De acordo com Silva, há cerca de 20 anos um estudante se feriu em uma praça da cidade durante o trote e ficou paraplégico. Há seis anos, houve abertura de um processo para apurar um desses eventos. Imagens de vídeo foram analisadas, mas ninguém foi identificado nem punido.

Em São João del-Rei, onde um trote violento virou caso de polícia nos dias 22 e 23 de maio, quando alunos de zootecnia e de engenharia elétrica da universidade federal da cidade foram presos, acusados do crime de constrangimento ilegal contra calouros, a proibição da prática está em vigor desde 2009. Há ainda uma lei municipal, aprovada no ano passado, que também considera a prática ilegal. O pró-reitor de graduação da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) Marcelo de Andrade, explica que o veto foi uma forma de barrar as manifestações, que para ele são consideradas uma exposição dos alunos e um desrespeito à dignidade humana. Trotes solidários, como a arrecadação de alimentos para doação, são bem-vindos na instituição, segundo o reitor.

Palavra de especialista

Quezia Bombonatto, psicopedagoga e presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia ( ABPp)

AGRESSIVIDADE EM ALTA

“Para os estudantes que entram na universidade, o trote representa um rito de passagem, o marco para um novo ciclo da vida. Só que, ao longo dos anos, esses ritos tomaram uma dimensão de agressividade, se tornaram cada vez mais violentos. O que antes se resumia em uma acolhida com atividades como pintar o rosto e cumprir metas atualmente tem conotação sádica marcada por uma relação de poder. Então, para ser aceito, o calouro precisa aguentar as exigências dos veteranos, fazer pedágio nas ruas para financiar festas e passar por tantas outras situações humilhantes e vexatórias. A idade dos praticantes e dos que recebem o trote também influencia. São adolescentes que acham que podem tudo e que cada vez mais têm limites menos rígidos em casa e na sociedade. Eles acham que limite é sinônimo de repressão e vivem a era do hedonismo, em que o que mais importa é o prazer. As drogas e o álcool dão uma dimensão ainda maior a esses atos e a impunidade dentro das instituições dificulta a extinção do trote estudantil.”

Fonte: em.com.br
Enviado por: Mozarte - UFRGS

Publicação: 02/06/2013