segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

PM AGRIDE ALUNO NA USP

Por Michel Blanco - Fonte: Yahoo Notícias
Um policial militar dá um baculejo num estudante, antes de sacar a arma e apontar na direção dele por não mostrar carteira de identificação da universidade. E tome tapa. Isso é tão 2011, nénão? Ou será 1968? Mas foi hoje (9).

Há um tempo, talvez desde 2006, a polícia paulista não se sentia tão à vontade para distribuir chá de pau: USP, Cracolândia e... USP novamente. Divulgado no YouTube, vídeo gravado por estudantes mostra a ação da PM para retirar um grupo de pessoas que estava morando no Centro de Vivência da USP.

Tudo corria dentro do que se pode considerar normalidade, como se vê no vídeo, até que Nicolas Menezes Barreto, aluno de Ciências da Natureza da USP Leste, negro (e isso não é um detalhe), resolve questionar algo. Não se sabe exatamente o que disse ao PM, pois o trecho é inaudível, mas bastou para o policial perguntar se era aluno e partir para a porrada.

Nicolas foi agredido por um sargento da PM, nesta segunda-feira, durante a desocupação da antiga sede do DCE Livre, o DCE ocupado – a alguns metros da sede da reitoria da USP. “Eu era o único negro lá, com dread”, disse ele ao blog Outro Brasil, por telefone, no fim da tarde.

Em outro vídeo, também feito pelos estudantes, os alunos acusam os policiais de racismo e pedem para que o PM se identifique. Ele esconde a identificação, ato escandalosamente comum entre policiais, funcionários públicos, não é demais lembrar. Com a repercussão do caso, os dois PMs envolvidos no caso foram afastados.

A agressão de hoje é uma amostra do humor da Polícia Militar de São Paulo. Mas revela algo mais, como se fosse um pocket show, em versão itinerante, da controversa operação de "dor e sofrimento" deflagrada pelo governo e pela prefeitura na Cracolândia. PMs nervosinhos são o hit do verão em São Paulo: "Ai, se eu te pego".

O resultado até agora da ação na Cracolândia é a prisão de pequenos traficantes e a dispersão geral dos noias — na real, a ideia é essa mesmo. Mas o risco dessa "gente diferenciada" chegar a Higienópolis levou Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab a fazer chegar na imprensa que não haviam autorizado a operação. Bom, há duas opções: ninguém manda na zona ou a desfaçatez é geral.

Abuso é tema batido num país conivente com a violência como instrumento de ação policial, que se recusa a encarar os crimes dos anos de repressão estatal. Soluções de força soam como redenção para grande parte da sociedade disposta a crer num passado irreal, porque não se revela ("naquele tempo era bom"). Quando a busca desorientada por votos dá uma força nessa roda, estamos diante de algo bem perigoso.
ASSISTA AOS VÍDEOS:



O aluno dá sua própria versão:

“PM me escolheu porque eu era o único negro”, diz estudante agredido na USP

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
Fonte: http://alceucastilho.blogspot.com

Órfão de pai desde os 15 anos, Nicolas Menezes Barreto sabe bem o que é trabalhar. É músico e professor da rede municipal de ensino, na zona leste – em condição provisória, pois ainda não é formado. Ele prestou Música, mas entrou na segunda opção no vestibular da Fuvest. Cursa Ciências da Natureza na EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), na USP-Leste.
A palavra dread remete ao estilo de cabelo rastafari. “Sem dúvida foi racismo. Ele foi falar comigo porque pensou que eu não era um estudante, e sim um traficante, algo assim. Tanto que se surpreendeu quando viu que eu era estudante”.

Ele conta que um guarda universitário ajudou o PM a segurá-lo, durante a agressão – naquele momento as imagens aparecem um pouco mais distantes no vídeo. Sobre o sargento que o agrediu, ele afirma: “O cara estava virado no capeta, não sei o que acontece. Tem de pagar as contas também, né. Mas não aceito.”

Nicolas diz que é conhecido dos guardas universitários. Até por ter sido um dos 73 estudantes presos durante a desocupação da reitoria, no início de novembro.

- Agora estou aqui, na endorfina, na adrenalina, tentando me livrar desse susto. Tive algumas escoriações, arranhões, cortes na mão. Mas fiquei com medo de ir à delegacia sozinho. Como tem o vídeo vou fazer depois o exame de corpo de delito. Estou esperando o advogado para ir fazer o boletim de ocorrência.

O estudante conta que não falou nada demais na hora em que o policial avança em sua direção. “Quando eu falo no vídeo, com o punho da mão fechado, estava dizendo que nós estávamos cuidando do espaço e que não precisávamos da reforma da reitoria. Ele não entendeu isso e veio pra cima de mim”.

O sargento pediu o documento e Nicolas disse que sua palavra bastava. “Aí ele me puxou da bancada”, confirmando o que se vê e ouve no vídeo veiculado pela internet. “Tentei me defender para não tomar um tapa na cara – ou um tiro na barriga, pois ele me apontou a arma”.

Nicolas fala com orgulho de seu projeto como músico, a banda BRs. O símbolo da banda tem um quadradinho antes do “s”. Ele conta que sua mãe insiste, diante das dificuldades, para ele priorizar o trabalho – pois a família depende de sua renda. Mesmo assim ele tenta conciliar tudo. “Minha mãe sabe da minha luta”.

O estudante atendeu a reportagem agitado, mesmo depois de uma noite sem sono – os estudantes ficaram em vigília nas últimas noites, por conta da ameaça de nova desocupação do espaço.

Antes de desligar o telefone, ainda falou do momento "sinistro" que vivem os alunos da USP durante a gestão de João Grandino Rodas. E se declarou preocupado com a cobertura da mídia. Já sabe que alguns veículos o definiram como “suposto” estudante. “Às vezes o repórter está bem intencionado, mas não sabemos como vai ser a edição”.