quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Ação referente ao Auxílio Alimentação x Reajuste

N. do Processo 0508359-37.2011.4.05.8400
7ª Vara Federal – Juizado Especial 5ª Região - Seção Natal-RN

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

Trata-se de ação que tem objetivo o reajuste do valor do auxílio alimentação pago à parte autora, para que este seja equivalente ao pago aos servidores do Tribunal de Contas da União que exerçam atribuições idênticas ou assemelhadas, pagando-se ainda as parcelas vencidas nos cinco anos anteriores ao ajuizamento.

Em sua resposta, a parte ré levantou preliminares e, no mérito, pugnou pela improcedência da demanda.

É o que importa relatar. Efetivado o contraditório, seguem fundamentação e decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO

De início, afasto a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que somente há impossibilidade jurídica do pedido quando existe óbice legal para que se instaure a lide em torno da pretensão da parte autora, o que não é o caso dos autos.

Por sua vez, reconheço apenas a incidência da prescrição nos termos do Decreto 20.910/32, pelo qual o prazo para a interposição de ações contra a União, independentemente de sua natureza, é o de cinco anos. Dessa forma, nas situações que se protraem no tempo ¾ como na hipótese dos autos ¾, em que não houve negativa do próprio direito reclamado, este se renova a cada novo mês em que há pagamento dos vencimentos, havendo a perda da pretensão unicamente das parcelas vencidas há mais de um lustro do ajuizamento da demanda, consoante exposto pelo Enunciado nº 85 da súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Decididas as questões prévias, passo à análise do mérito.

O auxílio-alimentação foi instituído pela Lei n° 8.460/92, que, em seu artigo 22, com a redação dada pela Lei n° 9.527/97, dispõe:

Art. 22 − O Poder Executivo disporá sobre a concessão mensal do auxílio−alimentação por dia trabalhado, aos servidores públicos federais civis ativos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.

§ 1° A concessão do auxílio−alimentação será feita em pecúnia e terá caráter indenizatório.

(...)

Por sua vez, o auxílio-alimentação foi regulamentado pelo Decreto 2.050/96, posteriormente revogado pelo Decreto n° 3.887/01, cujo artigo 1º, abaixo transcrito, estabelece que:

Art. 1° − O auxílio−alimentação será concedido a todos os servidores civis ativos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, independentemente da jornada de trabalho, desde que efetivamente em exercício nas atividades de cargo.

§ 1° − O auxílio−alimentação destina−se a subsidiar as despesas com a refeição do servidor, sendo−lhe pago diretamente.

§ 2° − O servidor fará jus ao auxílio−alimentação na proporção dos dias trabalhados, salvo na hipótese de afastamento a serviço com percepção de diárias.

A justificativa apresentada na petição inicial para a equiparação do auxílio-alimentação ao dos servidores do TCU é o argumento da isonomia. Por outro lado, a Ré argumenta que não cabe ao Poder Judiciário aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento da isonomia, além de asseverar que o autor não se encontra na mesma situação dos servidores do TCU, porquanto o TCU é integrante do Poder Legislativo, com carreira distinta.

Analisando-se os autos, observa-se que tanto os servidores do INSS quanto os do TCU são regidos pelo mesmo regime jurídico, qual seja, o instituído pela Lei 8.112/90, à exceção dos planos de cargos e remuneração, onde constam os valores dos vencimentos de cada classe e nível da carreira, visto que são leis diferentes a tratar destas exceções para cada carreira, a do autor (INSS) e a dos servidores do TCU.

No que pertine ao auxílio-alimentação, tanto para o autor quanto para os servidores do TCU aplica-se o mesmo diploma legal, Lei n° 8.460/92, com as alterações dadas pela Lei 9.527/97.

Para o pagamento do auxílio-alimentação, o TCU invoca tão somente a Lei n° 8.460/92, com as alterações dadas pela Lei 9.527/97. Em nenhum momento, a legislação do plano de cargos interfere na fixação ou fundamentação desta verba.

Assim, tenho que é inteiramente inconsistente alegar com base na diferença dos planos de cargos que autor e paradigma estão em situações diversas, é dizer, em carreiras diversas, quando a verba questionada é paga com base no mesmo diploma legal, e mais, sem nenhuma vinculação com a lei de plano de cargos e remuneração.

O auxílio-alimentação é pago sem nenhuma relação com a carreira ou posição da carreira do servidor, até porque a verba é indenizatória. Assim, não é o fato de estar em carreira diversa que não justifica a isonomia.

E há mais.

Quem está provocando a situação de desigualdade não é a lei, são atos infralegais de cada órgão.

Se já vislumbro falta de razoabilidade na hipótese de fixação de verba indenizatória destinada à alimentação do servidor em valores diversos por duas leis (visto que a necessidade de um servidor de alimentação não é diferente só porque ele está em outro órgão, mesmo que de outro poder, a não ser na exceção abaixo ventilada), a situação se agrava quando a fixação e atualização se dão por ato infralegal.

De fato, os valores da referida vantagem são fixados, por cada órgão, por meio de portarias, ou seja, de diplomas infralegais, de modo que são estas Portarias que estão causando a situação de desigualdade observada nos autos, já que a base legal para a concessão do auxílio-alimentação aos servidores federais é a mesma.

É bem verdade que é possível que haja diferenciação nos valores percebidos por servidores que residem em localidades diversas, uma vez que o custo com a alimentação é variável em função do local onde vive o servidor. Mas fora disso não vislumbro possibilidade.

E, na medida em que o Tribunal de Contas da União, um órgão do serviço público federal, um órgão da União, reconheceu que o valor devido a seus servidores lotados em qualquer lugar do território nacional a título de auxílio-alimentação deve corresponder a um montante superior àquele pago aos servidores do INSS, é cabível a intervenção do Poder Judiciário a fim de corrigir a omissão desses outros órgãos na atualização dessa vantagem.

A correção é do ato infralegal, não da lei que instituiu vencimentos.

Portanto, não se trata aqui de reajuste a ser concedido, que seria vedado pelo princípio da reserva legal absoluta previsto na Constituição Federal, que estabelece a exigência de edição de lei para a fixação e alteração de seus estipêndios, mas de mera correção de omissão do Poder Público, correção do ato infralegal.

Pela mesma razão, inaplicável a Súmula 339 do STF: "não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia".

Devemos realizar o que a doutrina processual tem denominado de distinguish, a fim de afastar a aplicação da Súmula 339, visto que no caso presente não estamos diante de duas leis instituindo valores diferentes. Aqui, há apenas um dispositivo legal e vários atos infralegais atualizando a verba com índices diferentes.

E o próprio STF tem rejeitado aplicação desta súmula quando até mesmo se está diante de duas normas legais, exigindo apenas que seja por fundamento constitucional, como no caso da Lei nº 8.622, de 19 de janeiro de 1993, que estabeleceu índice diferenciado, no percentual de 28,86% (vinte e oito vírgula oitenta e seis por cento), para a revisão remuneratória prevista no art. 37, X, da CF/88, onde ocorreu distinção de índices de revisão remuneratória entre servidores públicos civis e militares, o que, segundo o STF, afrontou a isonomia (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 22307-7/DF).

Vale trazer à colação, justificativa apresentada para não aplicação da Súmula, por parte do Ministro Maurício Corrêa, que acompanhou o voto do relator, Ministro Marco Aurélio:

Não vejo como neste cenário possa ser invocar a incidência da Súmula 399 desta Corte, sob a égide da qual "não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia" ...

Com efeito, na espécie não se cuida de interpretar preceito constitucional a saber se é o caso ou não de aplicação da regra isonômica, ou seja, não se alvitra aqui a incidência da isonomia porque os militares receberam um reajuste de 28,86%, na mesma época, a mais, do que os servidores do Poder Executivo, em sua esmagadora maioria; mas isto sim da violação expressa, inequívoca, fulminante, de um preceito de ordem cogente que cristalinamente obriga o Estado a não criar discriminações quando promover reajustes vencimentais dos servidores em geral.

Além de tudo que já foi exposto, o artigo 41, § 2º, da Lei 8.112/90 estabelece que "é assegurada a isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder, ou entre servidores dos três Poderes, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho". Ora, se o auxílio-alimentação tem natureza indenizatória, sem relação com o plano de cargos e remuneração da carreira, destinado a custear parcela das despesas com alimentação do servidor, onde presumidamente todos têm a mesma necessidade alimentícia, e não está relacionado a caráter individual do servidor, nem natureza do trabalho, não é legítima, legal, nem constitucional o pagamento para servidor de órgão federal do executivo de valor deste auxílio diferente do pago por outro órgão federal, mesmo que de outro poder.

Desse modo, merece acolhimento o pleito autoral, para reconhecer o direito de equiparação do auxílio-alimentação recebido pela parte autora com aquele pago aos servidores do TCU.

III. DISPOSITIVO

Dessa forma, julgo procedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC, para declarar que o valor do auxílio-alimentação percebido pelo demandante deve corresponder ao valor percebido pelos servidores do Tribunal de Contas da União a título de auxílio-alimentação, bem como para determinar que a parte ré proceda ao pagamento dos valores vencidos nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da demanda. Sobre as parcelas atrasadas, incidirão juros de mora, nos termos do artigo 1º-F, da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009.

A execução limita-se ao teto, considerando o respectivo montante na data de expedição da requisição de pequeno valor (RPV). Na RPV, será deduzida a verba honorária devida ao patrono no percentual indicado no contrato que for juntado até a respectiva expedição e, caso não seja juntado contrato, fica arbitrada a quantia no percentual de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, nos termos do § 2º do artigo 22 da Lei 8.906/1994.

Indefiro o pedido de Justiça Gratuita formulado pela parte autora, tendo em vista que seu rendimento líquido mensal é superior ao teto limite de benefícios do Regime Geral da Previdência Social, o que afasta sua hipossuficiência na presente hipótese.

Sem custas e honorários advocatícios, em face do disposto no artigo 55 da Lei n. 9.099/95, aqui aplicada em caráter subsidiário. Transitada em julgado, arquivem-se.

Publicação e registro decorrem automaticamente da validação desta sentença no sistema eletrônico. Intimem-se.

Natal-RN, 30 de junho de 2011.

Fabio Luiz de Oliveira Bezerra
Juiz Federal

Enviado por: Francisco Carlos Galho Arduim