segunda-feira, 15 de março de 2010

Criminalidade dentro campus ainda amedronta estudantes

Por Larissa Leiros Baroni
Os trotes violentos, comuns nessa época do ano, estão longe de ser as únicas ocorrências que amedrontam estudantes dentro dos campi universitários. Roubos, furtos, tiroteios e estupros, atos de violência que já fazem parte do cotidiano das principais metrópoles brasileiras e atemorizam a população, já foram registrados dentro de universidades País afora. Por isso, o medo e a insegurança de percorrer no meio acadêmico não é sazonal e aumentam a cada nova ocorrência. O dilema é saber até que ponto e com quais ferramentas serão necessárias para garantir a segurança no campus.

Renan Artur Pretto, 19 anos, estudante de administração da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), por exemplo, não consegue trafegar com tranquilidade pelo campus de sua instituição. A preocupação é frequente na entrada, na saída e em toda troca de aula. Trauma induzido pelo aumento do índice de violência na universidade, mas intensificado ainda mais após se tornar uma vítima da vulnerabilidade da segurança universitária. "Ao estacionar o carro em frente à Casa do Estudante, eu e mais dois amigos fomos abordados por dois rapazes armados", conta ele. "Além do automóvel, eles levaram três celulares, todos os documentos e cerca de R$ 50", acrescenta.

Segundo ele, seu caso não é exclusivo. "Ocorrências de furto, assalto e roubo são frequentes na universidade", diz Pretto, que também é presidente do DCE Livre, um dos Diretórios Centrais dos Estudantes da UFRGS. O estudante diz ainda que em uma oportunidade houve um tiroteio dentro da Faculdade de Comunicação, no final do ano passado, e um caso de estupro nas escadarias de acesso ao Instituto de Informática, há aproximadamente dois anos. Violência sexual também já foi registrada no campus da USP (Universidade de São Paulo) em São Paulo, em 2006. (O Universia contatou tanto a direção da USP quanto da UFRGS, mas nenhuma delas retornou as ligações feitas pela reportagem até a publicação da mesma).

Armando Luís do Nascimento, diretor da Comissão Nacional de Gestores de Seguranças nas Instituições Federais, reconhece a existência de violência dentro das universidades brasileiras, principalmente das públicas. "Os campi vivenciam as mesmas problemáticas de qualquer capital, com todas as suas variedades de tipos e gêneros", explica ele, que ressalta a importância de se criar uma segurança preparada para responder às necessidades dessa comunidade. "Até para que o índice de violência não cresça no mesmo nível que cresça nas metrópoles", justifica ele.

As principais ocorrências nas instituições federais, de acordo com Nascimento, são os furtos e os roubos de carros. A média nacional é de três a quatro furtos por dia em cada uma das universidades que integram o sistema federal de ensino. Cerca de seis roubos de carros ocorrem por mês nos campi. "Os índices oscilam de acordo com a organização da segurança das universidades", garante ele, que cita a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da UFPA (Universidade Federal do Pará) e UFPE (Universidade Federal do Pernambuco) como boas referências.

Segundo Paulo Sette Câmara Filho, diretor de segurança da UFPA, a eficiência do sistema de segurança implementado na universidade está refletindo diretamente nos números de ocorrências. "Os arrombamentos caíram de 54, em 2001, para 5, em 2009. Os casos de roubos, em comparação ao mesmo período, despencaram de 25 a 4", aponta ele, que considera as ameaças e agressões envolvendo os próprios estudantes ainda um desafio para a instituição, já que as taxas da ocorrência aumentaram de 10 para 21, no intervalo analisado neste levantamento.

Além de criar uma diretora própria de segurança, Câmara Filho diz que a UFPA investe tanto no controle, como na inteligência e na vigilância. "Ao todo, são 71 vigilantes desarmados que pertencem ao quadro efetivo da universidade e 321 terceirizados armados para combater a violência nos onze campi", afirma ele. Câmara Filho também aponta a eficiência do uso da tecnologia. "Há câmaras de alta resolução em vários institutos e nas áreas externas e uma central de alarme e monitoria", acrescenta ele, que diz ter resolvido vários incidentes a partir do uso desses mecanismos.

A preocupação da UFPE com a segurança está implícita no volume de recursos que ela investe no setor. De acordo com Nascimento, que também é assessor de segurança institucional da universidade pernambucana, são investidos R$ 5 milhões por ano. "A efetividade da segurança está na construção de um batalhão especializado dentro da própria universidade, assim como é feito nos Estados Unidos. Isso, no entanto, demanda verba", declara ele. "Para isso, nós investimentos na contratação de pessoal preparado, na capacitação dos funcionários e na compra de equipamentos tecnológicos", completa ele.

Ainda que não haja um controle nacional do panorama da segurança das universidades municipais e estaduais, Antônio Joaquim Bastos da Silva, presidente da Abruem (Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais) e reitor da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), acredita que a realidade do setor é similar à das instituições federais. "As violências fazem parte do campus, mas sempre há aquelas universidades que conseguem controlar mais os incidentes", analisa.

Na opinião de Silva, a maior vulnerabilidade da segurança nas universidades públicas é o livre acesso. "Na UESC, por exemplo, circulam diariamente cerca de onze mil pessoas. Seu espaço é público, portanto não há como restringir a entrada. Além disso, uma de nossas responsabilidades é garantir integração com a sociedade do entorno", argumenta o presidente da Abruem. A tendência, portanto, é que as instituições privadas - que geralmente limitam a entrada a estudantes, professores e funcionários - tenham menores índices de violência. E mais, a maioria das construções dos campi privados é vertical e bem menor se comparada às cidades universitárias.

A PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) é uma das exceções no País. Além de abrir seus portões para toda a comunidade, mantém é um campus de 100 mil metros quadrados e com a circulação de 20 mil pessoas por dia. "Sabendo da violência da região em que a universidade está situada, investimos maciçamente na segurança, com o auxílio de160 seguranças e câmeras espalhadas em lugares estratégicos", diz Augusto Sampaio, vice-reitor para assuntos comunitários da PUC-Rio, que diz estar satisfeito com o resultado da metodologia adotada. Um único caso mais grave que aconteceu na instituição foi há dez anos. "O sequestro de um aluno no estacionamento, mas os ladrões profissionais já estavam seguindo ele há um tempo", afirma Sampaio.

Para minimizar os riscos do acesso ilimitado, Silva sugere o controle da entrada e saída de todos. "Basta que as cancelas, bem como os acessos às dependências das instituições, tenham um sistema de controle dos visitantes, alunos e professores - seja por cartão magnético ou até mesmo por impressão digital", sugere ele. Segundo Silva, a metodologia, assim como as câmeras, inibe a ação dos criminosos. "Até porque a universidade controlará todos os movimentos daqueles que tiverem interesse em circular por suas dependências", defende ele.

Outra vulnerabilidade da segurança nas universidades públicas e privadas é o descuido dos próprios estudantes. É o que afirma o diretor de Segurança da UFPA, que relaciona a maioria das ocorrências dos furtos à falta de atenção. "Há pessoas que deixam malas e celulares na mesa da lanchonete, enquanto fazem seu pedido", exemplifica Câmara Filho. O consumo de bebida alcoólica e o uso de drogas, seja em festas estudantis ou não, também propiciam atos de violência. "Para minimizar essas ocorrências, na UESC fazemos diversas campanhas contra o uso de drogas, além de proibir a venda de bebidas e cigarros no campus", conta Silva.

Nascimento sugere ainda o uso da tecnologia da informação, para a transformação de dados em conhecimentos e, por fim, em estratégias. "Se a universidade tiver o controle dos atos de violência que acontecem em seus campi, poderá agir de forma mais estratégica, com mais eficiência e até menos custo", recomenda ele.
Os arredores

As violências parecem ser ainda mais frequentes nos limites que dividem o espaço universitário e o urbano. Ao sair das aulas do mestrado, às 20h, o biólogo Bruno Bellutini, 27 anos, foi abordado por três criminosos supostamente armados. Mesmo fora, porém próximo ao campus da USP (Universidade de São Paulo), ele garante que estava bem próximo da portaria da instituição. Além de perder a carteira com todos os documentos, um tênis e uma máquina fotográfica, ele não pode contar com a ajuda dos seguranças da universidade. "Depois do incidente voltei para guarita da portaria do campus, falei com o funcionário que se negou a me ajudar porque disse que seu rádio estava sem pilha", lembra o biólogo.

Embora o fato tenha ocorrido em 2008, a insegurança nos arredores do campus da USP continua. Em junho de 2009, a estudante de Ciências Atuariais, Marília Cruz Barbosa Reis, 21 anos, foi assaltada a menos de dez metros de uma guarita da universidade. "Duas pessoas - um delas armada - numa moto me abordaram e levaram minha mochila, com meu notebook e meu material. Na ocasião, outra estudante também foi assaltada", garante ela, que também aponta o descaso da universidade com o fato. "Não sei se a guarita estava vazia ou se o funcionário estava distraído. Mas, sei que se tivesse alguém ali atento poderia ter evitado o incidente", reclama ela.
A dúvida que fica é: qual é a responsabilidade da universidade em casos como o de Marília e Bellutini? Para responder a essa questão, Nascimento faz uma comparação do compromisso da universidade com a legislação do trabalho. "Se um funcionário sofre qualquer lesão no caminho entra a casa e o trabalho, a lei caracteriza o incidente como acidente de percurso, sendo assim a responsabilidade é da empresa", cita ele, que acredita que essa deva ser a mesma conduta da universidade. "Segurança é sim um dever do estado, mas direito e obrigação de todos".

Para resolver essa problemática, o assessor de segurança da UFPE decidiu fechar uma parceria com a polícia militar de Pernambuco. "O programa Polícia Amiga mantém uma conexão entre os vigilantes do campus e a polícia, que também oferece viaturas nas entradas da universidade nos horários de maior movimento", explica Nascimento, que pretende expandir essa parceria com os demais comércios que ficam no entorno da universidade. "Se unirmos os esforços, o entorno ficará mais seguro para todos, inclusive para nossos alunos e professores", acrescenta.

A presença de polícia no campus é, no entanto, uma polêmica que se arrastada desde a ditadura militar. O DCE Livre da UFGRS propôs uma parceria à universidade com a Brigada Militar do Rio Grande do Sul, mas segundo o presidente do diretório a proposta não foi aceita. "A instituição alegou que a medida poderia comprometer sua autonomia. Portanto a atuação dos parceiros acabou limitado ao entorno do campus", conta Pretto, que defende a colaboração dos militares. "Se a universidade não consegue garantir a integridade física de seus alunos, é preciso encontrar meios para que essa garantia seja efetiva", critica ele.
Postado por Paulo Muchila