quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Preocupação com segurança universitária

TEXTO EXTRAIDO DO BLOG TEMPOS MODERNOS

O caso do professor universitário que foi agredido dentro da sala de aula repercute...

15/07/2008

Luís Gustavo de Almeida

O assunto segurança é algo que está sempre presente na vida dos brasileiros. Há cerca de um mês, alunos da UFF (Universidade Federal Fluminense) protestaram contra a inclusão do curso de graduação de Segurança Pública, alegando que a presença de policiais no campus seria um risco à democracia e à liberdade de expressão. Na verdade, não são incomuns casos de violência que chegam ao interior das instituições de ensino. Para discutir este assunto, FOLHA DIRIGIDA promoveu um debate sobre segurança, especificamente no ambiente dos campi das instituições de ensino superior. Estiveram presentes o professor e prefeito do campus da Ilha do Fundão da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Hélio de Mattos, o professor e coordenador do curso de Segurança Pública da UFF, Roberto Kant de Lima, e um dos coordenadores do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFFRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Rodrigo Ferrerez.Entre os temas discutidos estavam medidas para se evitar a violência nos campi, esclarecimento da diferença entre violência e criminal idade, e pedidos para contratação de vigilantes e atualização destes. Confira o que os convidados têm a dizer:

Como as universidades vêm lidando com o problema da segurança pública no Rio de Janeiro. Na opinião dos senhores, esta relação está satisfatória? Rodrigo Ferrerez - Pelo que tenho acompanhado, esse problema de segurança pública nas universidades não é recente, mas está sendo tratado. A gente vê que é um problema que está surgindo aos poucos, pelo menos na Rural, e está sendo tratado com muito cuidado. A gente sabe que os recursos são destinados à segurança, mas a violência aumenta cada dia mais e isso se reflete dentro da universidade. A relação não está satisfatória, mas está sendo encaminhada. Está sendo tratada como deve ser tratada. Isso já acontece há muito tempo, mas só agora que as autoridades e universidades estão parando para pensar nisso, que a violência da área urbana está se refletindo dentro da universidade. Está acontecendo um processo de mudança de contratação na Rural e também está se montando um planejamento sobre segurança, especificamente, o que nunca foi feito. E acho que é mais ou menos por aí.

Hélio de Mattos - A universidade vem observando e tomando as ações dentro do seu âmbito. A violência não é um problema só da cidade do Rio de Janeiro, mas do estado e do país todo. Os índices de violência urbana são cada vez mais crescentes. Diminui em um delito mas aumenta no outro. Porém, a violência é um dos problemas que mais afligem a toda a população, em especial nas grandes cidades. E a universidade é atingida. Ela não é imune a isso. Somos um espaço acadêmico, aberto. Então, todo tipo de problema que tem na cidade chega ao nosso campus. Temos que tomar também medidas internas em relação a isso, sempre com a clareza de que, no nosso caso, a universidade não é uma ilha fechada, e não pode se trancar e ficar imune a esse tipo de problema. Então, assistimos, com muita preocupação, a tudo isso. Na ida e na vinda para a universidade também somos suscetíveis a esse tipo de violência. Nós analisamos a questão globalmente, não somente no âmbito da universidade.

Roberto Kant - A UFF, especificamente, tem investido em pesquisa e formação nessa área de segurança pública. Uma das questões que acho mais importantes é pensar um pouco no próprio conceito de segurança pública. No Brasil, essa palavra "pública" tem tido uma associação com estatal. Então, a segurança pública parece que é a segurança do Estado. Essa é uma questão complicada porque a segurança pública é uma segurança de todos. É uma segurança que deve ser pensada, ainda mais em um país democrático, onde o Estado não tem mais uma segurança própria contra a sociedade. Ou seja, a segurança da sociedade se confunde com a do Estado. Quanto mais segura a sociedade estiver, mais segura estão as instituições democráticas. Isso representa uma grande diferença na avaliação e na concepção do que seja segurança pública. O que se nota é que é muito difícil desconstruir essa imagem da segurança do Estado na cabeça das pessoas. E por isso mesmo é que estamos propondo um curso de graduação em Segurança Pública e Social, lá no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, sob a perspectiva das ciências humanas e sociais, para poder exatamente socializar novos profissionais voltados para essa área de segurança pública e não necessariamente policiais. Quer dizer, pessoas que trabalhem como assessores, consultores, secretários municipais de segurança pública, etc. Hoje em dia, existe todo um mercado nisso que é ocupado apenas por policiais. De alguma maneira, temos tentado contribuir, na pesquisa e no ensino, com essa questão.Existe uma maneira de impedir ou evitar que a violência externa chegue ao campus? Como fazer isso nas instituições públicas onde costuma ser livre a circulação de pessoas?Hélio - Acredito que existe e não existe. A universidade não é imune a essa violência urbana. O próprio espaço nosso é um espaço acadêmico, de livre circulação. Tomamos medidas de inibição de alguns delitos. A UFRJ gasta, anualmente, 25% de seu orçamento, aproximadamente R$26 milhões, no item segurança. Nós gastamos R$15 milhões com vigilantes e porteiros terceirizados nos principais prédios e edifícios, fazendo um controle e saída de pessoas. À noite, quando o prédio é fechado, temos uma vigilância interna patrimonial que faz ronda interna. Isso custa muito caro. Temos, no campus da cidade universitária, seis viaturas, próprias da UFRJ, fazendo a ronda ostensiva nas principais ruas e avenidas, entre 6 e 23 horas. É um campus grande, que tem uma área que equivale mais ou menos aos bairros de Ipanema e Leblon juntos. Temos também 19 câmeras de alta resolução monitorando essas ruas e avenidas. Um sistema de monitoramento ligado a uma central de segurança, que quando alguém vê qualquer fato interessante nas câmeras, passa para as viaturas e elas fazem uma ação de inib ição. Nós temos um plano integrado de segurança onde tudo está inserido. Temos 12 vigilantes fazendo a ronda no campus. Nós temos que investir nessa área e procuramos sempre investir. E tem vindo investimento do governo federal. Nosso orçamento aumentou muito comparado ao início da gestão, mas ainda é pouco. O governo federal não tem nenhuma preocupação em abrir concurso para vigilância interna. Nossos vigilantes, daqui a uns 10 anos, vão se aposentar e não há nenhuma previsão para novas contratações. E esse é um tipo de trabalho que tem que ser feito por pessoas qualificadas. A vigilância federal é concursada. Nossos vigilantes têm 25 anos de casa e sabem lidar com os estudantes e com o público. E a vigilância terceirizada é complementar. Então, não é só o Estado que faz. Mesmo que terceirizada, faz parte da segurança pública. Ela guarnece os prédios à noite, durante o dia eles fazem controle de saída. Vários prédios nossos têm crachá de identificação. É muito importante para você fazer uma inibição desses delitos que chegam no campus. Algumas medidas que tomamos foram fundamentais para inibir. Ao colocarmos esse sistema de câmeras, ronda, 3 guaritas controlando as entradas, e fechando os principais portões, deixando somente um para poder controlar a entrada, nós zeramos delitos muito importantes, como roubo de automóveis. A ronda policial inibe o delinquente. Você é suscetível a essa violência urbana, mas não pode ficar parado, vendo nosso espaço acadêmico ser cada vez mais atingido.

Roberto - Se você pensar que o espaço público não é um espaço do Estado, que é um espaço da sociedade, você tem que pensar que nesse espaço público não se pode fazer tudo que se quer. O lugar que se pode fazer tudo que se quer é no espaço privado. O espaço público tem que ter uma relação de respeito entre as pessoas. Tem uma série de coisas que você não pode fazer porque prejudica o espaço. Esse espaço público depende que as pessoas se controlem. E para isso, elas precisam achar que é legítimo que elas se controlem. Na UFF, muitas pessoas acham que podem fazer o que bem entender no espaço público. Tem uma questão pedagógica em dizer a essas pessoas que não se pode fazer tudo que se quer no espaço público. A universidade tem e deve exercer um ensino sob seus alunos, professores e funcionários dentro dessa perspectiva, pois universalmente, todos são submetidos às mesmas regras. Essa reação ao controle precisa ser desconstruída, na medida em que todos ficariam mais confortáveis se todos obedecessem a determinadas regras concensuais. Porque também acho que cada espaço tem a sua regra. Não é uma mesma regra para todo mundo. Não se trata de obedecer à lei, mas sim às regras daquele espaço. Isso remete também a uma autonomia que a universidade tem do que pode ou não pode fazer. Que é diferente da coisa do crime, que é uma coisa da lei, que tem uma outra conotação. E aí a gente entra na fase de se pode ou não pode a violência. Algumas ocasiões podem gerar uma série de conflitos que não são necessariamente criminais e que podem redundar em crimes, mas estes conflitos podem ser administrados. O campus tem essa capacidade de administrar os conflitos que surgem no âmbito da sua circunscrição. A universidade deve desenvolver sistemas de administração entre conflitos existentes no campus. E isso pode gerar violência e desconforto para as pessoas que se sentem desprotegidas diante de certos conflitos. Isso deve ter um tratamento distinto do que se chama de crime. São políticas diferenciadas para questões diferenciadas. Essa questão do material humano, as pessoas devem estar treinadas e acostumadas para isso. As firmas brasileiras que contratam essa segurança chamada de patrimonial são muito precárias. Elas não dão uma formação para os vigilantes. Eles vão na Polícia Federal e fazem meio dia de instrução e saem todos fantasiados de vigilantes. A formação de vigilantes é fundamental para que possam reagir convenientemente a situações em que estão inseridos. Já aconteceu de terem assaltado uma agência de banco no Valonguinho e o segurança dizer que não tem nada com aquilo e um PM dizer a mesma coisa. Ninguém quis se meter na situação, o que nos dá brechas para imaginarmos coisas. Porque a gente sabe que esse sistema se entrelaça.

Rodrigo - Especificamente na Rural, a gente tem um problema de segurança muito recente. É uma universidade que está na Baixada e que está começando a refletir a violência da Baixada. É complicado porque a Rural tem um dos maiores alojamentos do Brasil de universidade federais. Então, tem um grande número de pessoas que circulam dia e noite. A questão dessa violência externa, o tipo de comportamento de alunos acaba refletindo na sociedade. A pessoa que mora na cidade em torno da universidade acha que esta é uma beleza. Ela acha que pode ir lá a hora que quiser e que ninguém se importa. É uma parte do que as pessoas que estão dentro da universidade refletem para a sociedade. A gente sabe que cada instituição tem uma especifidade diferente, tanto na questão da segurança quanto de campus. Na Rural só tem uma guarita para um campus muito grande. Então, temos várias entradas sem guarda. Isso é muito complicado. Temos um prédio na beira d a estrada Rio-São Paulo sem guarita. Ultimamente, têm acontecido muitos assaltos e estupros na região. Isso é uma situação que preocupa muito, principalmente com a criação de novos cursos. Se a situação atualmente já é complicada, imagina quando tivermos nove ou dez cursos com o Reuni. O DCE está puxando o encontro com a reitoria e a administração. Mas a administração está mudando em outubro... Então, estamos tentando pressionar para que o plano de segurança saia o mais rápido possível, porque ele prevê a contratação de novos vigilantes e o treinamento dos já existentes com 25, 30 anos de casa, que sabem lidar com estudantes. Mas ainda assim é preocupante. Eles sempre alegam que são seguranças do patrim??nio, mas os estudantes e funcionários sempre ficam meio de lado. Que patrim??nio é esse? Só o físico e estrutural? E o patrim??nio humano? Porque a universidade é feita de pessoas. Temos que parar para pensar nisso. Se a violência externa c hega ao campus, é uma falha da segurança. Falta de treinamento. Recentemente que a Rural colocou uma ronda noturna. Mas sempre tem que acontecer alguma coisa para que seja tomada uma providência.
Em algumas instituições, como a UFRJ, já cogitou-se a presença de patrulhas e quiosques da PM no campus, mas a idéia encontrou forte resistência, principalmente dos alunos. Afinal, qual é o problema em relação à polícia no campus. Ela fere realmente a democracia ou os alunos estão preocupados com outras questões, como consumo de álcool e de drogas?Roberto - Que polícia é essa que vai para o campus? A primeira questão que eu coloco é essa. Agora estamos vivendo uma série de acontecimentos que mostram que a polícia tem uma preparação e uma maneira de agir absolutamente incompatível com as formas de sociabilidade urbana e de uma sociedade democrática. A questão de ter a segurança no campus é uma. Agora colocar um policial armado que vai dar tiro quando vir qualquer conflito vai piorar a situação de segurança das pessoas. Porque elas não têm uma representação muito positiva da polícia aqui no Rio de Janeiro. Por outro lado, a população procura a polícia. Como a polícia devolve o conflito para a sociedade, essa violência civil acaba virando um crime. A polícia está sujeita a conviver no lugar onde tem tráfico de drogas e é criticada porque não apreende armas e drogas, mas isso não é função dela. Ela está ali para administrar e mediar conflitos que são apresentados. Tem pessoas que acham que a polícia é apenas para resolver crimes. Não se tem no Brasil uma formação dos policiais nem uma qualificação dessa atividade fundamental de administração de conflitos. Conter distúrbios e investigar crimes é relativo.

Rodrigo - A grande questão é essa. Que polícia que será colocada? Li uma matéria sobre a colocação de polícia militar dentro do campus da UnB. Li vários relatos dizendo que virou meio que um militarismo. Eles se aproveitam da forma que entram e começam a coibir qualquer tipo de ação, mesmo do movimento estudantil. Isso é muito complicado. Os alunos enxergam que a polícia entrando vai coibir algumas ações do movimento estudantil. Lá na Rural, recentemente, teve uma invasão da reitoria por causa do Reuni. Imagina se tivesse a Polícia Militar (PM) lá. Os alunos iam apanhar com certeza porque a gente sabe que a PM tem um histórico de coibição mesmo. É muito complicado ver essa questão de colocar a PM dentro do campus. Quanto a colocar quiosques, também não concordo. Acho que tem que colocar guarita com a segurança da universidade. Não sei se a PM em uma universidade federal é constitucional. Pelo que eu li, é constitucional a nã o-entrada de militar dentro de uma unidade federal. Lá na Rural, temos um histórico de entrada de policial no campus, quando houve um assalto ao banco Real. Mas foi diferente, pois a polícia entrou a pedido da universidade com o intuito de rastrear esses assaltantes. Essa foi uma das poucas vezes que vi entrar PM lá. Mas a presença constante da polícia no campus não funcionaria. E a maioria dos alunos não é a favor. Não é nem pela questão do consumo de álcool e drogas porque a gente sabe que isso tem em todo lugar. Não é só dentro da universidade. Hélio - Essa questão foi cogitada em outras gestões, não na atual. A reitoria se bate em relação à autonomia da universidade, porque essa expressão está intimamente ligada a ela ter a sua própria segurança. A presença da polícia dentro do campus está, historicamente, sempre ligada à extrema violência. A universidade tem um trauma muito grande. Os problemas em relação a movimentos estudantil e dos servidores e manifestações que temos na universidade são problemas internos nossos. São discutidas dentro do âmbito acadêmico da universidade. Não é necessário nem a interferência da segurança interna da universidade. No ano passado, aprovamos o nosso Reuni e em nenhum momento a nossa própria segurança esteve presente nas manifestações. Os alunos invadiram os conselhos e impediram sua realização e houve diálogo. Nós resolvemos no diálogo, academicamente. Fomos terminantemente contra a colocação de forças policiais para questões desse tipo. Sou prefeito do campus desde 2005. Me cabe, como prefeito, coordenar as ações de segurança do campus. A PM entra como uma força de apoio no combate a determinados tipos de crimes. Mas 70% de nossos alunos estão na cidade universitária. Na Praia Vermelha ou no Centro da cidade, a PM é proibida de entrar nos prédios. A não ser que ela prenda algum bandido para levá-lo algemado par a a delegacia. Ou se alguém for assaltado lá, ela entra para fazer a ocorrência. Fora isso, não há motivo. Nosso alunos pedem constantemente policiamento no entorno dos prédios para inibir assaltos e furtos que ocorrem nesse entorno. Na ilha da cidade universitária, a PM é importante. Nós temos 25 mil veículos no campus. Freq??entemente temos acidentes. É ela a responsável pelas ocorrências. Se uma agência bancária é assaltada, e nós só tivemos um assalto nos últimos quatro anos, cabe à PM ir lá fazer a ocorrência e perseguir os bandidos, se for necessários. É papel dela fazer isso. Até pouco tempo, nós tínhamos 2 viaturas da PM ajudando a fazer a ronda dentro do campus. É importante, junto conosco, inibir assaltos nos pontos de ??nibus, furto e roubo de automóveis. Nós tivemos um "boom" de fluxo de automóveis em 2005. Graças a uma ação da nossa segurança, junto da PM, prendemos uma quadrilha que furtava 100 veículos. São ações típicas e atribuições dessas polícias. Diferente de você criminalizar os movimentos sociais. Há uma onda de criminalização de movimentos sociais e isso não deve acontecer. Cabe aos dirigentes dar apoio às livres manifestações de movimentos sociais. O batalhão que estava previsto para ficar dentro da Ilha do Fundão ficou na Linha Vermelha. A comunidade não vê com bons olhos.
Estudantes e sindicalistas afirmam que a polícia não pode entrar no campus. Alguns dizem que somente a Polícia Federal teria esta autoridade. Quem está certo? A polícia pode ou não atuar dentro do campus universitário? Rodrigo - Tenho ouvido as opiniões dos estudantes da Rural, que não acham positiva a entrada da polícia no campus. Algumas pessoas dizem que só a Polícia Federal (PF) pode entrar por que isso já está no estatuto não só da universidade, mas acho que também na Constituição Federal. E isso passaria por cima de uma coisa que já foi decidida. Ao ver dos estudantes, achamos que a PM e a Civil só devem entrar em caso de necessidade, como o professor Hélio exemplificou. Quando há necessidade a polícia deve entrar sim, pois o efetivo da guarda nem sempre é suficiente para coibir algumas ações. Dentro da universidade, quando precisamos da ação da PM ou Civil é por conta de atos vindos da cidade de Serop? ?dica. Às vezes é uma pessoa moradora da cidade ou um criminoso que invade a Rural. Neste caso, as ações são necessárias.

Hélio - A polícia pode e deve entrar no campus, depois de analisadas as situações. Para a PF, por exemplo, é dada a ela a permissão em relação a qualquer furto ou dano ao patrim??nio, pois é papel constitucional da PF averiguar nestes casos. Como dirigente, se tenho uma unidade do campus que é roubada ou furtada, é minha obrigação abrir imediatamente uma sindicância, fazer um registro na PF e, se um membro do meu corpo social, um estudante, um professor ou um técnico, têm o veículo roubado, como dirigente tenho a obrigação de chamar a polícia para fazer a ocorrência. Temos que constitucionalizar aonde a polícia entra. Não se pode confundir isso com a criminalização do movimento social. A polícia deve entrar no campus sob monitoramento da sua autoridade, o dirigente que chama a polícia para coibir o movimento social deve responder a isso politicamente, pois está ferindo a autonomia. A universidade não tem o papel de fazer registro de ocorrência de furto de automóvel, a PF tem a obrigação de abrir inquérito de fatos que tenham causado danos ao patrimônio. Esses são papéis que não podemos confundir. Não há esse problema: se a polícia pode ou não entrar. Não vejo nenhum problema dela estar presente para poder fazer essas ações que são constitucionais. Mas não é atribuição dela fazer a criminalização e repressão de movimentos sociais.

Roberto - Quando propusemos o curso de Segurança Pública, teve uma série de colegas e alunos que protestaram. Primeiro confundiram segurança pública com polícia, que não tem nada a ver. O curso não é para polícia, é para formar pessoas que a polícia não forma. Não forma nas academias de PM nem nas de Polícia Civil ninguém preparado para lidar com segurança pública. Segundo lugar: quando você abre um curso para a universidade, você não pode impedir que policiais, individualmente, se candidatem, passem no vestibular e entrem. Aliás, há muitos. Em vários cursos, há muitas pessoas cujo emprego é policial, onde o curso vale para a profissão dele. E a universidade está aí para aperfeiçoar as pessoas, sejam elas quem for. Pode até o cara estar preso. Acho que se ele puder fazer um curso superior, é uma coisa que contribui para a sociedade como um todo. Então, acho que nesse assunto há muito preconceito. Isso que o professor Hélio falou é correto. Acontece lá na UFF também: tivemos muitos furtos de computadores no IFCS, ICHF e IACS e está rolando um inquérito da PF. Temos problema de furto de automóveis, assalto a agências bancárias, etc. Se você tiver uma agência dentro do campus, é lógico que ela corre o risco de ser assaltada. Tem que chamar a polícia para resolver isso. Não pode ser um particular que vai dar conta dessas questões. Outra coisa é que não se pode criminalizar nenhum movimento social. Isso é um absurdo. Portanto, a polícia jamais pode entrar no campus para tratar desses assuntos.

A contratação de vigilantes e seguranças patrimoniais pode inibir a ação de criminosos? Sabe-se que as universidades possuem um déficit de seguranças. Como equacionar esta questão?

Hélio - Infelizmente, devido ao aumento da criminalidade, recursos que deveriam estar sendo aplicados em atividade strictu-sensu acadêmica, como melhoria da sala de aula, são aplicados em segurança. No caso da UFRJ, nós gastamos 25% do nosso orçamento e temos que fazer. É fundamental contratar vigilância patrimonial. São os porteiros e os vigilantes que guarnecem, durante o dia e à noite, os principais prédios e edifícios da universidade. No caso da UFRJ, nós pedimos ao governo federal, ao Ministério do Planejamento e de Desenvolvimento, a abertura de 100 vagas para vigilantes em 2005 e até hoje não tivemos resposta. A política do governo é de não abrir concurso nessa área. Quer dizer, ter um efetivo federal é muito importante. Há prédios aqui que têm equipamentos de R$6 milhões. Outros têm mais de R$200 milhões. É muito importante fazer uma vigilância naquele equipamento e das pessoas também. É necessário que o governo federal aloque recursos com rubricas específicas para que isso seja feito e bem feito. Um rigor maior às licitações para se contratar vigilantes, um treinamento, que ele tenha um curso de porte de armas. Todos os nossos vigilantes federais usam armas dentro do campus. Nos últimos cinco anos, nós tivemos zero de ocorrência em casos de mal uso da arma. Não tivemos nenhum tiro disparado. Isso mostra que eles são profissionais bem treinados. Procuramos dar um curso anualmente para eles. Quer dizer, toda filosofia nossa é baseada na inibição do delito. Dentro de dez anos, esse efetivo vai desaparecer se o governo federal não abrir concursos.

E quem vai fazer este controle? Por isso é importante abrir concurso para esse setor.

Roberto - A segurança privada tem que ser bem preparada e bem treinada. O contrato também deve ser bem feito. Na UFF, quando houve o assalto aos prédios, o segurança que fica na portaria disse que não sabia de nada. Que o negócio dele é fazer segurança do prédio e não do que está dentro. Quer dizer, se eu meter uma picareta no prédio ele vai dizer que não posso, mas se eu carregar tudo que estiver dentro do prédio ele não tem nada a ver com isso. Isso é um contrato mal feito. Tem que olhar os contratos e o preparo das pessoas que estão lá. Tem uma outra coisa também: se esses vigilantes particulares usam armas ou não. Diz no contrato que eles não usam, mas se você olha eles estão armados. Ele tem preparo para usar uma arma? Inclusive porque tem estudantes, professores e funcionários ali. Este indivíduo não pode usar arma para atacá-los.

Deveria haver uma segurança própria da universidade, especializada nessa segurança universitária.

Rodrigo - Acho fundamental a contratação de vigilantes porque a gente sabe que o efetivo é pequeno. Em contrapartida, o governo não abre concurso para esse setor. Então, o governo acha que a contratação por terceirização é mais viável para eles economicamente. Isso é uma questão muito complicada, porque a gente vê cada vez mais vigilantes que já têm um bom tempo de serviço se aposentando - e eles não são repostos. E não adianta ter um efetivo terceirizado que não sabe portar uma arma ou lidar com o aluno. É preciso ter treinamento adequado. Então, é preciso terceirizar o serviço, mas com qualidade. Na hora que a universidade for contratar a empresa, ela deve exigir que eles sejam treinados. Acho que essa é uma das formas de inibir a ação dos criminosos, mas não é a única.

Muitos pais temem pela segurança dos seus filhos em campi de universidades públicas, como no Fundão e na Rural e, por vezes, preferem até pagar a mensalidade em outra universidade. Temem que esse fator venha a comprometer algumas universidades públicas? Em alguns casos, o estudo nesses locais está se tornando, de fato, inviável?Roberto - Tem uma diferença entre o que as pessoas acham que é segurança e o sentimento de segurança. Como os campi da UFF são urbanos e fragmentados, não temos essa coisa de grande extensão. Lá é muito mais fácil ter um controle sobre essas questões, embora noticiem, tanto do entorno quanto dentro do campus, casos de agressões, estupros, roubos... Você tem que manter a autonomia universitária e controlar o que acontece no campus, mas, ao mesmo tempo, tem que dar liberdade aos estudantes, professores e funcionários para circularem e exercerem suas atividades. Então, você não pode ter uma se gurança absoluta em lugar nenhum, pois a segurança absoluta é a segurança totalitária, aquela que está em todo lugar, com câmeras vigiando todo mundo o tempo todo, o que muitas faculdades particulares fazem. Tem câmeras até na sala de aula para vigiar o professor, o que ele está dizendo, o que é um absurdo. Então, o cliente da universidade pública tem que optar se ele vai socializar seu filho em um ambiente aberto, democrático, universalista, onde, evidentemente, existe perigo, como existe em qualquer lugar. A universidade está situada dentro da sociedade. Ela não é uma ilha. O que não pode é ter mais perigo dentro da universidade do que fora. Aí seria um absurdo. A câmera foi feita para inibir, não espionar. São dois usos completamente diferentes. Acho que essa coisa de universidade pública ou privada em termos de segurança é só uma questão de opção. O sentimento de insegurança não deve ser confundido com segurança propriamente dita.

Rodrigo - Essa questão é uma coisa que foi meio estereotipada. A sociedade acha que as universidades públicas têm a imagem de um cara vai entrar lá e começar a fumar e depois vai se perder. É mais um dos preconceitos da sociedade. Na verdade, é um preconceito um pouco mascarado. Não só na questão da segurança, mas em várias coisas. Na Rural, a questão de segurança pública é muito complicada. Além de ser distante, é um campus muito grande e mal iluminado. É um campus com déficit total na segurança. Só temos uma guarita com entrada de carros, mas temos outros acessos sem guarita que você entra de moto, bicicleta e à pé. Então, tem ali uma vulnerabilidade tremenda. Não se sabe quem está saindo ou está entrando. Um rapaz foi assaltado dentro do campus à mão armada e de capuz. A guarda só ficou sabendo disso dois dias depois e aí foi tomar providência.

Hélio - Não concordo que os pais temem em colocar seus filhos nas universidades públicas. Realmente alguns pais temem, vamos dizer assim. E alguns, quando têm condições, mandam seus filhos para o exterior. Todo pai sonha com seu filho na universidade pública. Ela é procurada não porque é gratuita, mas pela sua excelência. O sonho de todo pai é ver seu filho fazendo Medicina, Direito ou Engenharia na UFRJ ou na UFF e Agronomia na Rural. E o sonho de todo filho também. Haja vista a procura por nossos cursos. A relação candidato/vaga aumenta cada vez. Então, os alunos procuram, sim, as universidade públicas. Os pais temem pela violência na cidade, e também no campus. O campus é suscetível ao que acontece na cidade. A gente teme não é somente no campus, é na ida e vinda para casa. Esse é o principal terror, não do espaço das universidades. Elas estão fazendo seu papel com muitas dificuldades. Todas as ações que a UFRJ têm feito n a área de segurança são para inibir o delito e tentar aumentar a sensação de segurança para aqueles que frequentam o campus. Nós não temos nenhuma ilusão de que vamos acabar com a violência no campus, que não é uma ilha. Alguns pais são privilegiados e podem se dar ao luxo de pagar uma mensalidade para seu filho fazer sua graduação fora do país, mas a grande maioria fica pela sua qualidade. Também há uma campanha da mídia sobre nós. No nosso entorno, lá na cidade universitária do Fundão, temos oito universidades particulares. A segurança para aqueles alunos não é muito diferente da nossa. Eles são assaltados na Linha Vermelha igualmente aos nossos, mas a mídia joga pesado em cima das dificuldades que temos na universidade pública. Quando um aluno é assaltado dentro do campus, aquilo vira uma tragédia, vai a todos os meios de comunicação.

Há necessidade da criação de um cargo específico de segurança para ambientes de instituições de ensino? Qual deve ser o perfil deste profissional?

Rodrigo - Esse curso de Segurança Pública deveria ser ampliado para as outras universidades. Tudo bem que vai abrir na UFF. Mas, por exemplo, um homem que vá trabalhar na Rural tem que fazer o curso na UFF. O papel da universidade é procurar fomentar a criação desse novo curso.
Hélio - É importante o governo federal abrir vagas para isso. O perfil tem que ter concurso público e ser de nível superior. É importante o surgimento de cursos de segurança pública com esse perfil. É uma segurança diferenciada. Assim, como mudou o perfil da segurança dos estádios de futebol, aqui no Rio de Janeiro, criando a polícia de estádios, é necessário que tenhamos agentes treinados para as universidades.

Roberto - O segurança tem que saber o que é a universidade e o que tem dentro dela. Não é qualquer pessoa que saberá disso. É um campo profissional específico e um respeito à instituição que ele está protegendo. Em relação ao perfil, concordo com o Hélio. Por isso que estamos querendo criar um curso, para poder formar um profissional que seja apto a participar dessas oportunidades de ocupação que vão surgindo no mercado.

Como a universidade pode contribuir para as discussões sobre violência e segurança?

Hélio - A universidade produz ensino, saber e é por natureza uma academia. É muito importante a universidade não fugir dessa discussão. O professor Kant deu uma contribuição grande mostrando o que é segurança pública, que não é uma questão meramente de Estado, mas do coletivo, público. Não uma segurança voltada pelo enfrentamento e criminalização do movimento social. Com seus dados e sua pesquisa, colocando o dedo na ferida no lado social e direitos humanos, mostrando as desigualdades sociais, podemos montar cursos de graduação. A universidade é a casa do saber. É a casa da excelência. Por si só, ela tem a tolerância do debate. Nós temos que ter a tolerância entre nós para debater para produzir o conhecimento e o saber. Essa é a contribuição. Ela não combate a criminalidade nem vai terminar com ela. A universidade não é o Estado nem o substitui. Mas tem essa contribuição para as políticas públicas de segurança, o que é muito importante. O Estado tem que ter políticas públicas de segurança e não somente o combate ao crime. Política pública de segurança não é combater o crime organizado. É completamente diferente.

Roberto - Tem mais uma coisa muito importante, que é a observação da prática. No Brasil, essas questões de segurança pública, primeiro, erradamente estão associadas à polícia, e segundo, o próprio nome, com essa associação errada, está falando da polícia. A justiça criminal é outra coisa. Em outros países, isso é um sistema, e aqui não é. Cada uma das corporações defende um pedaço particularizado da sua responsabilidade nisso e culpa as demais pela ineficiência. Então, você não consegue nunca estabelecer responsabilidades coletivas nessa área e avaliar o funcionamento do sistema porque cada corporação diz estar fazendo sua parte. A universidade também serve como um fórum de discussão dessas diferentes corporações que têm que se entender para que esse sistema possa funcionar. A universidade não vai fazer esse sistema, mas vai contribuir para que se encontrem saídas. A universidade, além da pesquisa, ensino e extensão , também serve como fórum de discussão, incorporando a sociedade, trazendo o movimento social para discutir uma segurança que seja realmente universalista, na medida do possível, porque todos nós sabemos que as desigualdades sociais não serão resolvidas também pela universidade.

Rodrigo - No caso da Rural, os debates que começamos sobre violência foram muito ricos, porque trouxeram a comunidade do entorno, as polícias, militar e civil, e algumas pessoas da segurança pública do estado do Rio. A gente começou a fomentar um debate também para a conscientizaçã o. Muitas pessoas não têm consciência da violência pelo fato de ser uma coisa recente, algo que está sendo jogado agora para discussão. Assim, muitas pessoas saem sozinhas à noite, andam por locais escuros, sem documento. Uma questão é tentar conscientizar as pessoas através de um fórum de discussão permanente dentro da universidade. Ali você vai implantando o sistema de segurança e vai vendo qual o resultado do plano: se está sendo satisfatório, qual foi o erro, se tem como voltar atrás, quais são as medidas que estão sendo tomadas. Esclarecer isso para a comunidade acadêmica e para a comunidade ao redor. O trabalho integrado da polícia é uma coisa muito legal de se fazer. Na Rural, começamos a fomentar esse debate, mas a conscientização ainda é muito pequena. A gente percebe que as pessoas continuam andando por lugares que não deveriam e sozinhas. Quer dizer, as pessoas não têm muita consciência do perigo, pelo fato de não ter esse histórico na Rural. A única coisa que a gente vê de segurança pública informando os alunos é uma notinha no jornal que circula lá durante a semana, dizendo "ande com seu documento", "evite locais escuros". Quer dizer, uma notinha bem pequena no jornal da universidade é uma coisa muito simplória. Esse debate tem que ser divulgado para as pessoas poderem participar e as informações sobre segurança serem repassadas. Tem que juntar os três segmentos da universidade e a comunidade e tentar levar isso para fora do campus. Porque as pessoas da comunidade estão dentro da universidade e nós também estamos dentro da comunidade. Tem que ter essa troca para que essa questão se ja bem discutida. Não adianta ficar discutindo se a gente não tem nenhuma ação efetiva, nenhum resultado.

fonte: Folha Dirigida